A rua é mais a subir do que a descer. A porta é mais para cima do que para baixo. A campainha é alta, para braços grandes de pessoas crescidas. Os degraus são de subir, devagar. Lá em cima os tectos são altos. A rua nasce-nos da cintura em pedras da calçada e tacos de madeira escura. Os armários pedem um banco ou uma escada ou os teus braços. As árvores têm troncos de muitos palmos e o céu segue uma linha vertical de azul que sobe além dos muros. É tudo branco e claro. Por trás da porta, a música ouve-se com o volume quase no máximo, quase pela casa toda. Às primeiras horas do dia, a rua entra pelas janelas até se sentar no lugar vago da sala. De noite, o azul mais escuro deita-se comigo na cama sempre que não estás lá. Quando está sol, ponho o meu chapéu de abas largas e deito água fresca nas plantas e na hortelã. E se chove, fervo água para o chá e deito-lhe folhas que perfumam a casa enquanto espero por ti para dançar. Tenho planos para mil rituais mas primeiro vamos ter de conversar as duas. Pedir licença, entrar devagarinho, sorrir e apresentar-me. Olá. Perceber os cheiros e as músicas que a deixam feliz. Olá. Quero que ela goste muito de mim, tanto como eu dela. Depois, podes chegar sempre que quiseres. Podes ficar todos os dias e espalhar as tuas coisas pelo chão até me perder nelas. Podes criar os teus vícios, trazer para casa a tua água salgada e deixar-me descobrir que chegaste com um beijo a descer-me pelo pescoço.