27 abril 2009

mas mudou ou foi diferente

enquanto nos rimos de mim percebo que mudou tudo. elas dizem que não, que está tudo igual, que está tudo exactamente na mesma, o que é que mudou? calo-me e colo os olhos no prato, pego no copo de água e disfarço o que penso. recupero o fôlego e a concentração e sorrio-lhe. estou preparada para fingir que só queria dizer que agora trabalhamos e uma dor de cabeça ou de barriga já não justifica uma manhã maior na cama e porque já saímos de casa e porque outras estão a sair. e por dentro escondo, enquanto olho pela janela, que o que fomos nessa altura já não existe porque dantes foi há muito pouco tempo mas está noutra vida. não lhe conto que dantes havia mais espaço. dantes não sabíamos zangar-nos por histórias de amor. dantes as verdades eram mais ternas e dantes queríamos sempre a verdade. dantes as conversas eram diárias e feitas de muitas horas. dantes os dias tinham tempo para os segredos que eram tão falados como escritos. dantes uma vivia uma história de amor de pessoa crescida, outra estava à procura de uma paixão que fosse eterna e outra ainda acreditava que existiam declarações de amor como as que via no filmes. dantes éramos quatro e por isso ainda podia falar de mais uma história de amor e essa valia a pena. ainda vale. e não lhe digo que nesta vida que temos agora chega-se a correr, a conversa é crua e desacreditada, o tom está magoado e quer magoar, as palavras ficam presas porque já não são assim tão importantes, são mais pequenas que as linhas das histórias, não valem o esforço. que agora a fronteira ficou mais longe porque há uma voz do outro lado mais calada. nem que agora se chega a correr, engole-se o peixe, sai-se cedo e depressa e é-se entregue, estás entregue, obrigada, estás entregue, quando eu queria pelo menos uma noite como as outras, diz qualquer coisa, vou dizer, tinha saudades, as que tínhamos, antes de estar tudo igual, de estar tudo exactamente na mesma, o que é que mudou?

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