29 fevereiro 2008

Depois de tantos anos, o Fim

As mulheres têm uma relação estranha com a roupa e os acessórios. Não estou a falar do nunca-é-demais, mas sim de um sentido desespero de não-tenho-nada e outro nunca-chega.

O meu sentimento não-tenho-nada-para-vestir-e-não-sei-como-é-que-mais-ninguém-vê-isso-e-agora-não-posso-sair-de-casa provoca verdadeiras dores de cabeça e dura até chegar quinta-feira e ser dia de arrumar o quarto. Aí, maldigo a quantidade ri-dí-cu-la que tenho de roupa, sapatos, malas, ganchos, bandoletes, pulseiras e colares, cremes e vernizes e coisinhas. Na confusão do quarto que suplica por alguma ordem, já não há espaço nas gavetas, nem nos cabides, nem no fundo dos armários, nem nas caixas e nas estantes e suportes improvisados, nem no chão nem em lado nenhum. Toda a área que não está ocupada pela cama ou pela banheira rebenta na desorganização do "nunca usei mas é perfeito para a ocasião X", "nunca usei e nunca vou usar", "não gosto agora, depois logo se vê", "adooooooro", "acho que adooooooro" e "quando for alta e magra vou adooooooorar".

E eis-nos chegados a isto. Oiço-o gemer quando entro. Chama-me nomes pouco simpáticos quando saio e fecho a porta. Olha-me numa raiva magoada de incompreensão. Disse-me que já não falávamos a mesma língua e ameaçou-me que quando se fartasse era de vez. Tem razão – mesmo nós, mulheres, sabemos que o respeito mútuo pelo espaço individual é fundamental numa relação. Eu já não caibo lá. Ele não tem onde ficar e não pode sair dali. Eu não vou mudar. Ele também não. Já não temos futuro, os dois. Fui vencida pela condição de mulher e a estúpida ficou-me com o quarto.

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