À partida o melhor ano da minha vida não podia ser assim: sem passeios de montanha russa, viagens à lua e divagações até ao outro lado do mundo. As coisas fantásticas tendem a ser inesquecíveis. Mas estou sentada na minha secretária e tenho um leque de plumas encarnadas, um chapéu de festa prateado-muito-brilhante com estrelas, uma ventoinha pequena (mesmo, mesmo pequena) sem pilhas e os auscultadores, mais a moldura do monitor do PC com autocolantes, fotografias impressas a preto e branco e um bilhete a dizer Tokyo, e percebo tudo. Sempre gostei de coisas simples.
O ano que fecho foi tão bom que não lhe guardo recordações tristes. Está bem, tenho tendência para as paixões de doer no peito e só acredito nas histórias de amor que são como nos filmes, e ninguém chora mais que eu quando se junta um sofá, um dvd e uma lareira acesa. Mas nada disto é triste. É quanto muito fado, e eu adoro fado. E nesta música que fiz minha teci planos de vida, encontrei respostas perdidas, ganhei gostos e hábitos, aprendi-me mais ou menos mais um bocadinho e enterneci-me perdida no conforto dos meus amores de todos os dias. É difícil resumir um ano inteiro em palavras e no entanto este texto podia acabar já aqui.
Foi o meu primeiro ano de pessoa composta. Composta não é sinónimo de crescida, pelo menos em tudo aquilo que puder não ser. É antes uma calma diferente da que não sentia, que também não é antónimo de euforia nem de risos nem de plumas nem de cantorias correrias e outras alegrias. Mas este ano foi a primeira vez que conversei um bocadinho com o meu sofá sobre o que ambos gostamos, prazer em conhecê-lo, bem obrigada, eu também igualmente. Corri o mundo no canto da sala, mesmo em frente à lareira – Bali, Grécia, Courchevel, Marrocos, Aljezur, Londres, Uma Aventura com a Música do Mundo Inteiro. Eu Aladino no meu tapete voador. E depois fiz parte de aventuras de piratas a caminho do Alentejo, naveguei os mares do Sul na Costa Vicentina e vivi o cheiro de África com uma perna de pau.
Regressei no tempo, avancei no espaço, fui personagem de mim. Vivi nos anos 80 e fui estrela de Rock, fui índia de Western, fiz parte de concertos na lareira e na falésia da Arrifana, perdi-me na terra quente de outros continentes e lá voltei a perder-me dentro de dentro, ouvi árabe com atenção e repeti-lhe o dialecto devagar, sílaba a sílaba.
Senti-me completa quando vi o sol nascer e adormecer no mesmo dia, quando vi luas enormes no Tejo ou Marrakesh ou na copa da figueira mais antiga, quando segui de olhos quase fechados a linha de eucaliptos de prata do meu alentejo, quando partilhei fogos de artifício na cama, quando me encostei no tronco largo do pinheiro mais distante do pinhal para lhe ouvir os anos. Há quase 10 anos que lhe procuro a voz com atenção.
Corri na praia, mergulhei para além das ondas, bebi até beber e dancei até à última dança, molhei-me na chuva torrencial, pisei a terra descalça, fiz brindes e promessas de chá de hortelã, queimei a pele, subi colinas em Lisboa, contei estrelas no Alentejo, fumei pelo prazer do fumo numa viagem de janela aberta, conversei noite dentro e tarde fora, adormeci na areia quente, fui canguru em alto mar e cavaleira amadora, fiz-me trapezista em sonhos e escrevi cartas de amor. E se dobrar o ano para o guardar na Caixa-da-Vaca: cantei, gritei, ri e abracei e agarrei e senti e procurei e também me perdi e chorei e ouvi e respondi e encontrei e recordei e surpreendi e descobri e duvidei e recuei e emocionei-me e tive medo. E numa caixa ainda mais pequena ou na mão, vida malabarista de ginástica de circo: fui e continuo a ser.
As minhas pastilhas preferidas são as de morango com recheio de lima e as de menta com limão. São mesmo as melhores do infinito-e-mais-além. Consigo comer mais de 20 por dia e ignorar as dores nos maxilares. Gosto de fazer colares e sushi mas só para mim e para as pessoas que gosto. Sou a favor das imperfeições, dos traços mais marcados e das rugas de expressão, dos defeitos de tradução só perceptíveis à distância de poucos palmos ou dedos. E demorei mais de 25 anos e descobrir estes prazeres.
Os meus desejos para 2009 vão ser confeti a descer sobre Times Square e os abraços e beijos e declarações de amor vão ser à hora marcada, no sopé de uma serra perto de Lisboa. À meia-noite vão faltar-me as palavras para poder explicar aos meus amigos a falta que não me fazem porque estão em todo o lado, a toda a hora. Ainda quero beber vinho no telhado e apaixonar-me e o tempo este ano já quase não existe. É assim que um ano se transforma noutro.
Pergunta-me se sou feliz. Pergunta, pergunta agora. Sim, sou. Não me sinto feliz todos os dias, mas sou muito feliz.
O ano que fecho foi tão bom que não lhe guardo recordações tristes. Está bem, tenho tendência para as paixões de doer no peito e só acredito nas histórias de amor que são como nos filmes, e ninguém chora mais que eu quando se junta um sofá, um dvd e uma lareira acesa. Mas nada disto é triste. É quanto muito fado, e eu adoro fado. E nesta música que fiz minha teci planos de vida, encontrei respostas perdidas, ganhei gostos e hábitos, aprendi-me mais ou menos mais um bocadinho e enterneci-me perdida no conforto dos meus amores de todos os dias. É difícil resumir um ano inteiro em palavras e no entanto este texto podia acabar já aqui.
Foi o meu primeiro ano de pessoa composta. Composta não é sinónimo de crescida, pelo menos em tudo aquilo que puder não ser. É antes uma calma diferente da que não sentia, que também não é antónimo de euforia nem de risos nem de plumas nem de cantorias correrias e outras alegrias. Mas este ano foi a primeira vez que conversei um bocadinho com o meu sofá sobre o que ambos gostamos, prazer em conhecê-lo, bem obrigada, eu também igualmente. Corri o mundo no canto da sala, mesmo em frente à lareira – Bali, Grécia, Courchevel, Marrocos, Aljezur, Londres, Uma Aventura com a Música do Mundo Inteiro. Eu Aladino no meu tapete voador. E depois fiz parte de aventuras de piratas a caminho do Alentejo, naveguei os mares do Sul na Costa Vicentina e vivi o cheiro de África com uma perna de pau.
Regressei no tempo, avancei no espaço, fui personagem de mim. Vivi nos anos 80 e fui estrela de Rock, fui índia de Western, fiz parte de concertos na lareira e na falésia da Arrifana, perdi-me na terra quente de outros continentes e lá voltei a perder-me dentro de dentro, ouvi árabe com atenção e repeti-lhe o dialecto devagar, sílaba a sílaba.
Senti-me completa quando vi o sol nascer e adormecer no mesmo dia, quando vi luas enormes no Tejo ou Marrakesh ou na copa da figueira mais antiga, quando segui de olhos quase fechados a linha de eucaliptos de prata do meu alentejo, quando partilhei fogos de artifício na cama, quando me encostei no tronco largo do pinheiro mais distante do pinhal para lhe ouvir os anos. Há quase 10 anos que lhe procuro a voz com atenção.
Corri na praia, mergulhei para além das ondas, bebi até beber e dancei até à última dança, molhei-me na chuva torrencial, pisei a terra descalça, fiz brindes e promessas de chá de hortelã, queimei a pele, subi colinas em Lisboa, contei estrelas no Alentejo, fumei pelo prazer do fumo numa viagem de janela aberta, conversei noite dentro e tarde fora, adormeci na areia quente, fui canguru em alto mar e cavaleira amadora, fiz-me trapezista em sonhos e escrevi cartas de amor. E se dobrar o ano para o guardar na Caixa-da-Vaca: cantei, gritei, ri e abracei e agarrei e senti e procurei e também me perdi e chorei e ouvi e respondi e encontrei e recordei e surpreendi e descobri e duvidei e recuei e emocionei-me e tive medo. E numa caixa ainda mais pequena ou na mão, vida malabarista de ginástica de circo: fui e continuo a ser.
As minhas pastilhas preferidas são as de morango com recheio de lima e as de menta com limão. São mesmo as melhores do infinito-e-mais-além. Consigo comer mais de 20 por dia e ignorar as dores nos maxilares. Gosto de fazer colares e sushi mas só para mim e para as pessoas que gosto. Sou a favor das imperfeições, dos traços mais marcados e das rugas de expressão, dos defeitos de tradução só perceptíveis à distância de poucos palmos ou dedos. E demorei mais de 25 anos e descobrir estes prazeres.
Os meus desejos para 2009 vão ser confeti a descer sobre Times Square e os abraços e beijos e declarações de amor vão ser à hora marcada, no sopé de uma serra perto de Lisboa. À meia-noite vão faltar-me as palavras para poder explicar aos meus amigos a falta que não me fazem porque estão em todo o lado, a toda a hora. Ainda quero beber vinho no telhado e apaixonar-me e o tempo este ano já quase não existe. É assim que um ano se transforma noutro.
Pergunta-me se sou feliz. Pergunta, pergunta agora. Sim, sou. Não me sinto feliz todos os dias, mas sou muito feliz.