10 fevereiro 2008

House Party - St. Valentine's Day Weekend Edition::


Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor... Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.

Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.

Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.

Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.

Vinicius de Moraes


Se tivesse escrito uma carta à Mary Poppins dos amigos seria exactamente assim. Com os mesmos requisitos, dispostos pela mesma ordem e escritos com tinta azul numa folha sem linhas. As letras teriam sido cuidadas, com pontas redondas mas esguias e com estas palavras alongadas a preguiçar pela página. Tê-la-ia relido em voz alta muitas vezes, corrigido pormenores de sílabas e plurais e sons que gosto, e depois rasgado o papel em bocadinhos pequeninos que atirava para a lareira e que o vento vinha buscar.

Este texto chama-se "Procura-se um amigo". Tirei-o propositadamente. Não o ignorei - compreendo a solenitude que tem o título de uma carta sobre a amizade. Tirei-o, só. Porque os meus amigos são tudo isto. Os meus amigos são ainda muito mais. Os meus amigos têm, todos os dias, a capacidade de me surpreender, de me enternecer e comover. De me fazer feliz. E são tão grandes que não me cabem no peito e eu não tenho mais onde guardá-los.

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